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Alquimia Clínica

Entendo que nenhum médico deva crer-se capaz de curar quem quer que seja nem doença alguma por si só. Em verdade, mais favorecemos as curas quanto menos atrapalhamos seus processos naturais. Por isso deve o médico, canal das mesmas, mero regente da divina partitura à sua frente colocada, manter seu báculo em fina sintonia com a Grande Orquestração divina, pois é ela quem lhe inspira o sagrado ato de regência. Afinal, “todo Universo é número e, portanto, música”, já dizia mestre Pitágoras (séc. VI a.C.)

E assim como toda vez em que comungamos da Grande Consciência, nossa vida reproduz seu holograma e assume sua frequência, de mesmo modo deve o médico inclinado a curar, afinar sua conduta com a ‘música das esferas’, a permitir assim que naturalmente possa fluir através de si a cura que já se acha pré-constelada na Soberana Consciência. Todo filho de Asclépio, cujo nome  grego se traduz por ‘o bom e o simples’, deve compreender essa lei, e ainda manter-se lúcido para não cair na tolice de coroar-se com seus êxitos terapêuticos, porque, em verdade, não é o ego do médico quem realiza as curas, senão a dose de amor divino que ele é capaz de suportar todas as vezes em que se ajoelha ao pé do leito de seus pacientes na sincera intenção de ajudá-los.

Em seu poema épico “Mensagem”, segunda parte, Possessio Maris, mestre Fernando Pessoa (1888-1935) nos lembra: “Que, da obra ousada, é minha a parte feita: o por fazer é só com Deus”. A assertiva espelha a sina de todo ser humano que se descobre nesta vida peregrino. O poeta faz-se claro: por mais que nos apropriemos de nossa individual missão, por mais que estejamos conscientemente devotados ao seu cumprimento, jamais concluiremos todas as tarefas, jamais saberemos todas as coisas, nunca será esse dia em que atingiremos a tão sonhada perfeição.

Neste sentido, a Psicoterapia do Encantamento, tanto o Templo quanto o Caminho onde exerço esse meu sacerdócio, a medicina, pretende ser tão-somente uma obra inacabada, uma estrada a cada novo dia percorrida, uma catedral em perene construção. Ela é fruto da compreensão de um simples peregrino que, tendo certo dia ousado lançar sua caravela aos mares desconhecidos, e tendo desse modo se atirado à grande jornada, descobriu-se viajante, sonhador e alquimista (de si mesmo).

Pois, é assim que danço meu ‘fado’ (que faço meu destino), a cada dia provando do sal de minha própria existência, procurando curar (e me curar) conquanto escrevo ou clínico, tecendo(-me por) enredos que desfiam minha história. Por isso, segue o signo da práxis da Psicoterapia do Encantamento:

ALQUIMIA CLÍNICA

Minha alma à flor da pele é sensação,
mas quando coração, é sentimento;
nas raias do intelecto, pensamento,
e quando em sintonia, intuição.

Que as almas têm também temperamentos:
colérica, é um vulcão em corrosão,
sanguínea, por seu ar faz-se explosão,
fleumática, ela é terra, esfriamentos,

e às vezes, lago negro, melancólica…
Não há, porém, nenhuma alma só pura
conquanto por missão seja encarnada,

pois, que a Alquimia Clínica, arte insólita:
é o médico que errante aprende a estrada
e dos pacientes tira a própria cura!

Paulo Urban – Sonetista do Aquarismo
decassílabos heroicos
4 de setembro, MMXIII

One Comment

  1. Geny do Prado disse:

    Encantada com a página que acabei de conhecer.

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