NEM MIL LIVROS…
Devido à precoce morte seu pai numa batalha, ele, muito jovem, fora feito rei de vasta região do império persa. Ignorante das coisas do mundo, mas desejoso por instruir-se, reuniu seus conselheiros e sacerdotes e mandou que compilassem uma resumida história da humanidade, missão a que se entregou aquela seleção de súditos, eruditos e virtuosos.
Vinte anos se passaram até que num dia de celebração no reino, mil obras, entre copiadas e redigidas por seus sábios, entraram em seu palácio, trazidas no lombo de dez nobres camelos, em pomposa cerimônia. Mas o soberano, impressionado com tantos volumes, agora com mais de 40 anos, alegou que talvez não viesse a viver tanto assim para ler e estudar aquilo tudo, e mandou que seus doutores levassem dali os livros e que resumissem, pois, aquela biblioteca toda.
Mais vinte anos se passaram até que estes mesmos conselheiros, uns já bem velhinhos e agora em menor número, posto que vários deles haviam morrido, trouxeram ao rei uma biblioteca inteiramente nova, que desta vez entrou em seu palácio sobre o lombo de 5 lindos camelos, que juntos carregavam 500 livros.
De novo o rei se mostrou surpreso com a quantidade de volumes e, alegando que já passara dos 60 anos, presumindo não desse conta deles, ordenou a seus eruditos que os levassem embora e retornassem com uma biblioteca bem mais concisa, que contivesse apenas o mais importante acerca da vida e da história da humanidade.
Os sábios se entregaram, pois, dia e noite e ao longo dos dez anos vindouros, a resumir aqueles títulos. Maior parte dos eruditos já havia morrido quando vieram trazer ao rei, desta vez sobre o lombo de um único elefante ricamente paramentado, dez luxuosas encadernações sobre a vida e seus costumes, nas quais se narrava somente o principal da história da humanidade.
Mas agora o rei estava com mais de 70 anos e um tanto cego. Era impossível ler sem que se cansasse demasiado. Embora agradecendo aos esforços de seus velhos súditos, declinou mais uma vez do valioso presente, posto que, segundo acreditava, não lhe restavam anos suficientes para estudar tantas páginas, e recomendou que resumissem aqueles dez volumes numa só obra, tarefa esta a que se entregou aquela meia dúzia de doutores remanescentes.
Dali a oito anos só dois deles vieram visitar o grande rei, visto que os demais sábios haviam morrido. Traziam consigo um único livro que, entretanto, era muito grosso: mais de 600 páginas! O rei, bastante doente, fragilizado e acamado, ao ver a extensão da obra, observou aos sábios de modo reticente que sua vida havia se escoado toda sem que tivesse aprendido dela o que deveria. E se queixou aos monges:
— Morrerei em breve, ignorante da história, sem nada saber da vida!
O mais velho dos dois, endo que realmente seu rei havia desperdiçado muito de seu tempo, sabedor de que ele, em sua arrogância e sua indolência pouco se esforçara por estudar ou ser melhor pessoa frente à vida, nem mesmo alguém mais compreensivo ou justo diante de seus súditos, ainda assim, constatando que seu soberano estava de fato às portas da morte, compassivo do quanto todos nós nada somos diante das coisas da vida, atirou ao fogo o volume que trazia e assim falou a seu soberano:
— Não temas por isso, majestade, muitos anos viveste e, a bem da verdade, nada perdeste do que seja essencial ao grande aprendizado.
O rei olhou o sábio com seus olhos quase cegos, que imploravam certa clemência, ao que o monge arrematou:
— Vou resumir-te, pois, em poucas e modestas palavras, toda a história da humanidade: “Nascemos, sofremos, amamos, e finalmente, morremos. Eis no que consiste toda a história da humanidade, majestade. E é só isso o que deve nossa alma apreender, essencialmente, a cada existência”.
E o rei expirou em seguida.
(Milenar história da sabedoria oriental, livremente recontada por Paulo Urban)