Conta-se que o monge inglês Beda, o venerável (673-735 d.C.), exímio matemático, constatara a partir de complexas medições feitas com o auxílio de seus vários relógios de Sol, que o calendário Juliano era de fato impreciso e que aquela primavera de 731 já entrava atrasada em relação ao equinócio astronômico. Em sua História Eclesiástica da Inglaterra, foi Beda o primeiro a propor a reforma do calendário cristão, que só viria a ocorrer séculos mais tarde, em 1582, mediante Bula do Papa Gregório XIII.
O que a história não conta é que Beda foi também o primeiro ocidental a desvelar sozinho, por meio de iluminação, o conceito do zero, que só chegaria oficialmente à Europa, um século depois, com as invasões árabes. Ora, por volta do ano 800 d.C., o zero só era conhecido na Índia e, mil anos antes dos hindus, era conceito fluente entre os povos precursores do Império Maia, na América, que nos legou um dos mais precisos e misteriosos calendários de que a humanidade tem notícia.
Quando Beda vislumbrou o zero, o mosteiro todo estremeceu. Era ainda madrugada, alvorecia. O monge apreendera de imediato o todinteiro; conversou em silêncio com Deus e entendeu que entre o tudo e o nada está o homem, no mais das vezes enganado quanto à perfeita ordem do Cosmos, em sua efêmera condição quase sempre esquecido quanto à divinesfera de economia a permear essencialmente todos os seres, todas as coisas. Beda, olhar perplexambulante, deixou sua cela. Foi visto pela última vez caminhando pasmabsorto pelos jardins. O monge parecia um louco, era o próprio arcano sem número, profundamente tocado, prestes a ser arrebatado pelo númeno:
MISTÉRIO MONÁSTICO
O monge Beda atento ao breviário,
absorto em oração contemplativa,
ao despertar da aurora, à luz votiva,
deixou seu quarto ao canto do canário
e exultou-se em seu novo itinerário,
deixando em seus lençóis a rosa altiva.
Seus pares, pela falta do conviva
deram-se no lazer comunitário:
– “Pra onde foi Beda?”; – “Beda, onde está?” Nunca
souberam. Cento e oitenta anos depois,
um jovem do mosteiro a porta chama;
ao abri-la, depara-se com adunca
figura estranha, a quem clama: – “Quem sois?”
– “Beda; sei que há uma rosa em minha cama!”
Paulo Urban
11/fev/MMIV – decassílabos heroicos
Ó céus! Deixo que esse mar se forme ao meu redor, nem doce nem salgado, apenas lágrimas de amor escorrendo pelo rosto, quem sabe buscando a rosa de Beda, quem sabe buscando o zero que me orientará. Muito agradecida, mais uma vez, poeta, por este momento inefável de encontro comigomesma.
Adorei !…
Rita: (levantando a taça) – Um brinde aos sentidos!