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Inspiração # 3 – por Homero Pimentel

SAUDADE SÓ SE DIZ EM PORTUGUÊS

(Por Homero Pimentel)*

(artigo publicado na sessão ‘Inspiração’ da “Revista Nova Consciência”, edição # 3, dezembro/2007 – apresentado aqui na íntegra, sem cortes de edição)

Quem não conhece ou já não ouviu os singelos versos com que Casimiro de Abreu (1837-1860) inicia e termina sua composição mais popular, Meus Oito Anos, escrita em Lisboa, em 1857, na flor de seus 20 anos?

“Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!”

Seu pai o enviara a Europa a fim de que abraçasse a carreira comercial, para a qual, entretanto, o jovem não mostrou mínima vocação. Retornaria ao Brasil dali a quatro anos, com a saúde já minada pela tuberculose, que o levaria em breve deste mundo. Mas o moço ainda teve tempo de resgatar em sua terra natal, antes de partir, à sombra das laranjeiras, as cenas de infância que o fizeram viver tão saudoso em Portugal.

Saudade, palavra tão estranha! Mescla amor com esperança, é dor feito lembrança, é retorno em sentimento e um voltar do pensamento que em sonhos se emaranha! Difícil definir uma saudade. Senti-la tampouco é fácil… 

Vejamos o que nos diz sobre isso o abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910):

Entre todos os vocábulos não deve haver nenhum tão comovente quanto a palavra portuguesa saudade. Ela traduz a lástima da ausência, a tristeza das separações, toda escala de privação de entes ou de objetos amados; é a palavra que se grava sobre os túmulos, a mensagem que se envia aos parentes, aos amigos. É o sentimento que o exilado tem pela pátria, o marinheiro pela família, os namorados um pelo outro…”

Augusto dos Anjos – caricatura pelo artista William Medeiros

A ver por isso, entendo que as saudades tragam consigo um quê de gradação: desde as mais ingênuas, casimirianas, até as mais elaboradas, as saudades fazem-se acompanhar de ingredientes particulares aos diferentes corações que buscam expressá-la. Curiosamente, “saudade” é mais um “tom de alma” que uma palavra simplesmente, e em nenhuma outra língua há termo que expresse tão bem esse “indefinível ar nostálgico” que ela traz em seu conceito. O paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta dos mais complexos, saudoso mostra seu pesar:

“À noite quando em funda soledade
Minh´alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio da saudade”.

Sentimento este a que faz eco Florbela Espanca (1895-1930), poetisa portuguesa das mais sensíveis, que assim registra no soneto de abertura de seu belíssimo Livro de Soror Saudade, dedicado ao poeta Américo Durão, que nela colocara este carinhoso apelido:

Irmã Sóror saudade me chamaste…
E na minh´alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.
(…)
Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “Irmã Sóror Saudade”…

Camões na Gruta de Macau – por Desenne (1785-1827)

E nosso mestre Camões (1524-1580), atento à imponderabilidade de se deter o tempo ou recuperar as coisas já vividas, diante da assombrosa brevidade da vida, a mesma que levou tão precocemente Casimiro, Augusto e Florbela, num de seus sonetos não demonstra ser menor o grau de sua inconformada angústia:

“Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades”.

E eu próprio, saudoso de tudo, de minha infância querida, dos anos que não voltam mais, dos entes queridos que se foram, das tantas esperanças vislumbradas pelo círio da saudade, ou pela luz que transpassa o vitral de minha vida, medito às tardes sob a sombra dos laranjais, que a saudade possa ser a mais suave flor, ou o mais invisível dos tormentos, e concordo com o sábio Menotti del Picchia (1892-1988), quando ele diz: 

“Saudade, perfume triste de uma flor que não se vê”

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* Homero Pimentel (1939-2008) é historiador e autor do livro “Santos Dumont, Bandeirante dos Ares e das Eras”, editora Madras, prêmio Clio de História pela Academia Paulistana da História.

Para ler outro texto do Professor Homero, acesse: “As Muitas Filhas de Heródoto”.

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