MESTRE ECKHART, o Silêncio e a Escuta.
Texto de Paulo Urban
Paulo Urban é médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento
Nunca o homem se aproxima tanto de Deus quanto no momento em que perdoa. (Mestre Eckhart)
O monge dominicano alemão, Eckhart de Hochheim (1260-1327), que viveu seus últimos anos perseguido pela Santa Inquisição, dizia que “nada importa muito se não se trata de descobrir em nós o Absoluto”. O sábio valorizava a introspecção como meio de ascese espiritual e considerava que nada podia assemelhar-se tanto a Deus quanto o silêncio.
Eckhart recebera seu título de mestre ao concluir, em 1302, sua formação escolástica na Universidade de Paris. Destacara-se como um dos mais agudos debatedores. No ano seguinte retornaria à Alemanha e passaria a peregrinar por seu país até 1307, quando se estabeleceu como Vigário Geral da Boêmia. O religioso decididamente rompeu os protocolos eclesiásticos ao decidir-se por pregar seus sermões dominicais, do alto de seu púlpito, não em latim, mas em alemão comum, língua acessível ao povo ao qual falava.
Acusado por aqueles que muito lhe invejavam a coragem e a serenidade de espírito, de assim “expor aos ingênuos certas coisas que poderiam induzir os fiéis ao erro”, retorquiu dizendo que assim o fazia por cumprimento às palavras do Evangelho, segundo as quais “o Espírito sopra onde lhe aprouver”, julgando ser de suma importância semear ao sabor do vento para que num sempre crescente número de pessoas maiores chances de germinação houvesse.
Embora dotado de uma verve torrencial, ao mesmo tempo lúcida e comovente, não eram tanto as palavras, senão o silêncio contemplativo o moto de vida deste sábio monge, um místico que dedicou sua vida a perscrutar a alma em sua natureza eterna, em sua qualidade oculta e numinosa.
De fato, é o silêncio um dos melhores amigos da alma, posto ser ele prerrogativa necessária à escuta de nossos próprios anseios, da verdadeira voz interior. A propósito, como escutar aos outros se não estivermos minimamente treinados a escutar a nós mesmos?
Nesse sentido, a introspecção é sempre uma prática valiosa a cumprir o papel da genuína oração. Por meio dela podemos aplacar as inquietudes da mente, abandonar os enganos que cotidianamente nos absorvem e, com natural inclinação, ouvir a doce poesia de nossos murmúrios internos, também a voz da intuição indicando-nos novas portas de ascese em direção a experiências que nos aguardam numa realidade transcendente, que nos ensina a comungar no altar da catedral anímica, em nosso sagrado templo interior. Nesse silencioso deleite, prestando atenção aos acordes divinos, podemos ouvir as sinfonias das esferas, o som vocálico do Verbo criador.
Mas de nada nos adiantaria esta experiência arrebatadora de escuta se não a pudéssemos aplicar em nossas vidas, no intuito de dirimir o intempestivo ruído das relações humanas. Procurar perceber o não dito, o interdito, ou ainda o inaudito que perpassa por todo relacionamento humano é uma grande prova de amizade e de abertura à voz do coração alheio; pois há sempre segredos e detalhes que se escondem no silêncio entre as palavras, assim como a música é tanto mais sublime quando percebemos as pausas de seu andamento harmônico entre as notas reverberantes do caminho.
Também na verdadeira amizade entre pessoas que se amam e se respeitam, há cenas que somente podem ser apreendidas na cumplicidade do silêncio, talvez a mais elevada maneira de dizermos uns aos outros tudo aquilo que as palavras não alcançam, de nos alçarmos juntos em direção à inefável condição daqueles que aprenderam a orar e a sorrir sem fazer qualquer barulho.