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TDAH – O Que Não Contam Para Você

TDAH e os (DES)CAMINHOS da EDUCAÇÃO

Matéria publicada na Revista Construir Notícias, #103, edição de nov/dez/2018, uma das mais tradicionais e respeitadas publicações nacionais na área de Educação & Comportamento, há 19 anos editada em Recife (PE), sob coordenação editorial de Zeneide Silva. E tanto parabenizo os editores quanto lhes agradeço por ter-nos honrado a palavra, publicando nossa entrevista na íntegra, sem cortes de edição.

     

Entrevista de PAULO URBAN (*), médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento para a jornalista SÍLVIA LAKATOS (**)

 1. Quais são os indicativos de que uma criança pode ter, de fato, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)?

Regra geral, os psiquiatras doutrinados pelas diretrizes dos Manuais de Estatística e Diagnóstico, os malfadados DSM(s), editados desde 1952 pela American Psychiatric Association (APA), fazem o diagnóstico de TDAH tendo por base uma somatória de sintomas ali listados, relacionados a esse transtorno, tais como, e predominantemente, sinais de agitação psicomotora e inquietude por parte das crianças (hiperatividade), associadas a um prejuízo na capacidades de concentração e memória (déficit de atenção) que as tarefas escolares ou mesmos habituais requerem, sintomas estes, a propósito, que dão nome a esse suposto distúrbio. Outros sintomas menores e comuns, evidentemente, vêm a estes atrelados, tais como irritabilidade, impulsividade, impaciência, esquecimentos, distrações recorrentes, ansiedade acentuada etc… tudo isso acarretando um prejuízo nos relacionamentos pessoais e também no rendimento escolar ou mesmo acadêmico, para o caso de pessoas adultas igualmente assim diagnosticadas.

O nome Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) surgiu pela primeira vez em 1980, no DSM-III, e a morbidade distinguia-se em dois tipos: TDA com hiperatividade e TDA sem hiperatividade. Somente no ano 2000, na revisão do DSM-IV, originalmente publicado em 1994, foi que se juntou tudo sob a mesma sigla: TDAH.

E já me sinto aqui chamado a fazer logo de início duas críticas: a primeira se refere ao descabido desta sigla, APA, que deveria mais acertadamente ser trocada para USPA, (United States Psychiatric Association) posto que é a Psiquiatria dos E.U.A. quem está aqui a ditar regras, e a América, bem sabemos, é imensamente maior e mais rica em diversidades que aquele país tão somente. Importante dizer isso, pois já pela sigla comumente aceita pela Psiquiatria ensinada em nossas Universidades, bem se vê o quanto estamos servilmente atrelados à ideologia estadunidense muito mais que a um pensamento psicoclínico legítimo que jamais deveria assumir por conduta o que ditam esses DSM(s) pelos quintais do mundo afora.

Segundo ponto: vale esclarecer, não existem doenças novas a não ser na infectologia, e estas se devem à mutação de vírus e bactérias. Talvez possamos ainda falar de algumas doenças novas na área da medicina ocupacional e da medicina espacial, em certas circunstâncias. Nas demais especialidades da medicina, o que há de novo não são as doenças absolutamente, mas sim técnicas diagnósticas. Daí, eu me pergunto: até quando seguirá incolumemente adiante este engodo da APA em fabricar doenças novas a cada nova edição de seus discutíveis DSM(s)?

Diga-se de passagem, é estarrecedor, por ocasião da formação do colegiado responsável pela publicação do último DSM-V (2013), descobriu-se que de seus 170 membros, 95% mantinham estreita relação financeira com a indústria farmacêutica, cifra esta que chegava a 100% nos comitês formados para discutir os transtornos de humor e esquizofrenia, por exemplo, dados estes que por si só promovem os médicos à classe dos segundos maiores interessados na propagação de novas doenças, só perdendo para a dos fabricantes de remédios.

Pois bem, em 1983 nascia do seio dessas comissões da APA a assim chamada ‘Síndrome do Pânico’, nada mais que uma roupagem nova para aquilo que Freud um século antes, era 1894, já chamara de ‘neurose de angústia’, quadro este por ele descrito em profundidade e com maior propriedade, algo bem distante do ‘prato raso’ a que se resumem os DSM(s) da APA, espúrios e vazios no que diz respeito a pensamento clínico. Mas a inclusão da Síndrome do Pânico no DSM III–R (‘R’ de ‘revisão’ do recente DSM-III publicado em 1980), feita às pressas em 1983, cumpria manter vivo no mercado o Anafranil como solução para o Pânico, uma vez que o Prozac, prestes a ser lançado, já se sabia, tornar-se-ia o antidepressivo da moda, o que acarretaria prejuízo bilionário para o laboratório fabricante do Anafranil.

Hoje, em verdade, já sabemos que tanto o Anafranil quanto o Prozac deixam a desejar. Enfim, Síndrome do Pânico e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), convenhamos, são nomes impactantes que, fomentados por uma mídia direcionada logo caem no ‘domínio popular’ com o intuito de manter em alta por décadas a fio a venda de miraculosas drogas; logo mais, conforme estas ‘doenças novas’ comecem a ficar velhas, outras ‘novas doenças’ vão sendo criadas nesse mesmo propósito.

Pensar a verdadeira clínica é dizer ‘Não” aos DSM(s) da A.P.A.

O mais recente DSM-V, edição de 2013, por exemplo, esforça-se para caracterizar como pacientes psiquiátricos a maioria das mulheres que apresentam transtornos menstruais, e ainda os indivíduos acostumados a tomar diariamente seu cafezinho; aqui o DSM-V ‘força a barra’ para fazer destes ‘dependentes químicos da cafeína’, mas a argumentação é tão ridícula que estas modas não lograram êxito, pelo menos até agora; ademais, ainda há gás suficiente no que foi plantado pela APA no imaginário popular para que os laboratórios sigam lucrando absurdamente com um simples TDAHzinho mesmo.

Em 2007, por exemplo, o diagnóstico de TDAH rendeu 4 bilhões de dólares à indústria química, esse lucro subiu vertiginosamente para 9 bilhões já em 2012. É a psiquiatria acadêmica criando e mantendo uma imensa multidão de anônimos drogados pelos 5 continentes, tirando perverso proveito dessa cumplicidade que logo se estabelece entre pais mal acostumados à função de pais e médicos que convenientemente vêm em seu socorro e lhes explicam que não se preocupem em estar presentes a educar seus filhos, afinal, há vários remedinhos que podem ocupar esse trabalhoso lugar. Os pais ficam realmente mais tranquilos quando ouvem da boca de afamados médicos e cientistas que o problema não é com eles, senão mera questão de neuroquímica, coisa de patologia concretamente catalogada (lá no Manual), algo a ser, portanto, medicamentosamente tratado.

2. A partir de qual idade já é possível diagnosticar o problema?

Creio seja possível diagnosticar o problema e medicar nossas crianças precocemente, desde tão logo estas comecem a ter opinião própria e a dizerem para seus pais sob as mais diferentes maneiras que elas também estão no mundo e que, inclusive, fazem parte da família.

Digo sempre em consultório aos que me perguntam sobre o tema: tudo que devo declarar sobre TDAH é que qualquer déficit de atenção (por parte dos pais) acaba mesmo repercutindo na hiperatividade (dos filhos). E é bom não deixarmos brecha para hipocrisias quanto a isso, pois é justamente através delas que entram os médicos administrando inopinadamente às crianças, aos jovens e adolescentes, seus fantásticos remédios.

Em concordância ao tema e na saudável contramão dos descaminhos pelos quais vem se perdendo dia a dia esta neurótica e conturbada civilização em que vivemos, valho-me das sábias palavras de Tenzin Gyatso, Sua santidade, o XIV Dalai Lama:

“A atmosfera em que uma criança vive seu dia-a-dia e que é percebida por ela é um dos elementos-chave a determinar se sua vida será bem-sucedida. Em uma família em que existe amor e compaixão, as crianças serão adultos mais felizes e realizados. Sem amor, toda a sua vida futura corre o risco de ser estragada, arruinada. O afeto tem, portanto, uma influência decisiva no desenvolvimento das crianças”.

Infelizmente, distantes dessa clareza, o que vemos à nossa volta? Outro dia desses num restaurante vi entrar uma família: pai, mãe, duas meninas por volta dos 7 a 9 anos, e um menino menor, devia ter uns 5. Mal se sentaram à mesa em frente à minha, cada qual abriu seu celular; o garoto ficou no tablet, no joguinho. Os adultos só dirigiram palavra ao garçom, a fim de fazer o pedido e depois, para pedir a conta. Não os vi conversar uma só vez entre si. Não me parecia também um casal brigado. Por umas raras vezes as meninas mostraram uma à outra seus respectivos celulares, e vi também a mãe insistir com o garotinho para que comesse, até porque ele só estava a fim de jogar. Terminado o almoço, levantaram-se e saíram, as meninas e o pai andando feito robôs por entre as mesas, sem despregar os olhos de seus aparelhos, e a mãe levando o menino no colo, ele ainda jogando. Que dizer? Nem é preciso ser vidente pra saber aonde estes abduzidos urbanos irão dentro em breve parar; estas três crianças, se já não estiverem sendo medicadas por conta sabe-se lá de quê, são grandes candidatas a cair na rede do TDAH. Basta que comecem a incomodar seus pais com algum tipo de comportamento arredio, ou que, de repente, passem a ter baixo rendimento na escola e as professoras as julguem, muito embora crianças inteligentes, um tanto distraídas e relapsas com os deveres e as lições. A propósito, é justamente esta a forma mais comum pela qual os filhos chamam a atenção de seus pais para o fato de que precisam receber deles algo mais que escola, mesada, celular e almoços fora de casa; infelizmente, o tiro lhes sai pela culatra, em vez de ganharem com isso um maior convívio e entendimento com seus pais, recebem em troca um médico regular e vários comprimidos a serem tomados diariamente. Sim, tempos difíceis os nossos; imersa em sua crise de valores, a sociedade se põe cada dia mais à deriva, e equivocadamente tem confiado a psiquiatras ainda mais perdidos a direção de seu barco. Por isso estamos naufragando e não haverá psicotrópico que nos salve. E fique claro: não há laboratório algum do mundo que um dia sintetize a pílula capaz de curar os males de angústia. Único remédio verdadeiramente eficaz a tratar nossa condição existencial é o amor. Lamentavelmente, pais e médicos andam esquecidos quanto a isso.

3. Que testes e exames são realizados para fechar um diagnóstico preciso?

Felizmente não há nenhum. Mas nem por isso os psiquiatras se fazem de rogados e pedem auxílio aos psicodiagnósticos feitos por psicólogos também adestrados à moda do TDAH, aqueles que em vez de assumirem seu preponderante papel no trato destas questões, se ponham subservientes aos interesses da classe médica. Há ainda psiquiatras e neurologistas que incautamente solicitam aos pais dessas crianças exames de Ressonância Magnética na ideia de encontrar possíveis ‘marcadores biológicos’ determinantes da TDAH. Eu até me rio disso, posto que não há substrato orgânico nem para as doenças puras da alma, nem para as questões de comportamento, como é o caso da assim chamada TDAH. E é nisto que a psiquiatria clássica de bases psicodinâmicas, como era a de Freud e a de Jung dentre outros mestres, centrada na investigação do psiquismo, cada vez mais desprezada, se diferencia desta outra que ora se acha travestida sob o nome de neurociências. Quando procuramos pela realidade da alma de nada nos servem microscópios, estetoscópios, nem os exames de neuroimagem; precisamos antes procurar por ela através do olhar e do sorriso, do pranto, inclusive, que expressam os pacientes, e será assim, buscando honestamente saber de sua dor, que mais acessamos o nível de compaixão capaz de identificar no outro esta mesma esfera anímica que igualmente em nós se faz presente. É, portanto, pela psicoclínica e por uma anamnese bem colhida, pelo contato horizontal com nossos pacientes que melhor se faz um diagnóstico em psiquiatria. É preciso ‘pensar de fato a clínica’, algo bem diferente do que pregam os DSM(s). Sintomático, pois, que a psiquiatria ensinada nas Escolas esteja cega quanto à natureza da alma, haja vista ela já ter vendido a sua.

4. Em sua opinião, está realmente ocorrendo uma proliferação de falsos casos de TDAH?

Nem tenha dúvida. Os números são alarmantes. Tenho alguns dados anotados: cerca de 1,6 milhão de crianças recebeu medicação psicotrópica nos E.U.A no ano de 2005. Os números hoje passam da casa de 4 milhões. Lá é o país onde mais se medicam crianças. O Brasil é o segundo. E não somente por conta de TDAH, mas por outras maluquices dos DSM(s), tudo isso reflexo de uma sociedade insana que se propõe a tratar suas crianças segundo os pressupostos de sua própria insanidade. Crianças de todas as idades, até bebês mais agitadinhos têm recebido coquetéis de medicamentos com até 4 ou 5 especialidades farmacêuticas associadas numa mesma receita. São antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores de humor, neurolépticos etc.., tudo na mesma prescrição. Além do fato de muitas dessas substâncias misturadas se neutralizarem por terem ação antagônica entre si, bem mais temerário, contudo, é quando potencializam seus efeitos colaterais. Prescrições compostas mais apontam para uma falta de clareza diagnóstica de quem as prescreveu. Para os incapazes de pensar a clínica, os DSM(s) têm sido boa tábua de salvação. Por isso é que vivo advertindo os pacientes que me chegam tomando sabe-se lá quantos psicofármacos ao mesmo tempo: nenhum remédio é inócuo. Quanto mais substâncias diferentes associadas houver numa receita, menos deve lá saber o médico o que de fato anda fazendo. Nessas horas, melhor nem perder tempo tentando trocar de receita, o mais prudente é trocar logo de médico.

5. Quais são os tratamentos mais recomendados (e eficazes) atualmente?

O ideal é que todos estes casos que se incluem nos assim chamados TDAH, por serem antes questão de comportamento que casos psiquiátricos legítimos, fossem tratados eminentemente por diferentes técnicas e abordagens de psicoterapia, inclusive para os pais. Raramente há crianças que de fato precisem ser medicadas, em que pese a força do discurso psiquiátrico dominante que através de poderosa mídia prega o contrário. Sim, é difícil lutar contra essa falsa promessa que os remédios oferecem, a de vir a curar problemas que nem de longe são de ordem bioquímica. É assim que vamos varrendo pra debaixo do tapete os reais problemas de relacionamento entre pais e filhos e cada vez mais banalizando o uso temerário de remédios potencialmente perigosos, que vão sendo dados aos nossos filhos como fossem balas de hortelã ou copo d’água. De longe, a droga mais usada nesses casos de TDAH é o metilfenidato, popularmente conhecido pelo nome comercial de ‘ritalina’, mas usa-se também o modafinil. Ambos são estimulantes centrais que atuam por mecanismos ainda muito pouco esclarecidos sobre os núcleos hipotalâmicos, a caixa preta do sistema nervoso central. Eu jamais daria uma droga dessas à minha filha, por exemplo, a propósito não as receitaria nem mesmo para um inimigo. Sequer o talonário de receitas especiais ‘tipo A’, necessário à prescrição destas duas drogas, mandei rodar na gráfica; ora, se por princípio não as prescrevo, por que haveria de ter o receituário que lhes é específico? Quando um paciente mais desavisado me pede ritalina, sugiro que faça uso (abuso até, se quiser) daquela outra, a Rita Lee, bem mais saudável e sem efeitos colaterais.

Mas não é só de ritalina que vivem nossas crianças. Por conta do TDAH, há prescrições compostas que, atreladamente, incluem ansiolíticos, neurolépticos, estabilizadores de humor etc… prova cabal da incompetência terapêutica destas drogas; afinal, convenhamos, houvesse uma só que curasse o TDAH, qual o sentido de tantas serem assim prescritas?

6. TDAH acompanha a pessoa pela vida toda? Como saber se o tratamento já pode ser interrompido?

Esses tratamentos se arrastam por anos. Geralmente são interrompidos quando o paciente cansa de seu médico ou ocorre uma significativa mudança na psicodinâmica familiar, mais uma prova de que estes casos são eminentemente de ordem comportamental, não psiquiátrica. Também chegam a termo quando o paciente, não por conta dos remédios, mas sim por ter durante seus anos de sofrimento desenvolvido recursos próprios, aprende a lidar melhor com seus problemas e percebe o quão relativa é a importância dos remédios. Essa conquista vem de dentro, nenhum remédio ensina isso. Quero dizer: a criança ou o adolescente podem ser até classificados por seus respectivos médicos como ‘doentes’, mas nem por isso são bobos ou idiotas. Ao longo dos anos, os que não sucumbem por causa de seus médicos e sobrevivem aos próprios pais, acabam crescendo emocionalmente e chegará o dia em que deixam espontaneamente de acreditar nos diagnósticos que lhes foram infringidos por modismo de mercado. É quando termina a maior parte desses tratamentos. Doenças da moda já compõem extensa lista, desde as colites do início dos fins do século XIX, passando pelas escleroses múltiplas vistas em todas as gentes pela Escola Francesa ao longo do século XX, até as Síndromes do Pânico e os TDAH que surfam na crista da onda de nossos conturbados dias.

7. Quais os impactos que um tratamento desnecessário pode acarretar ao paciente?

Uma infinidade de efeitos colaterais, colecionados a curto, médio e longo prazo. O mais comum é que se fragilizem o fígado e os rins, órgãos de excelência no que se refere à metabolização e à excreção de medicamentos. Já no que se refere ao uso continuado de psicotrópicos, podem advir dessa prática dependências químicas as mais variadas, e ainda a tolerância ao efeito dos medicamentos, o que torna necessário o uso de doses sempre maiores a dar conta do que doses menores antes faziam. Além disso, há uma ampla gama de efeitos colaterais causados por psicotrópicos, desde confusão mental, insônia e alucinações, até reações paradoxais ao efeito esperado. Alguns podem levar a estados de euforia, outros à ideação suicida. Há longo prazo aumenta o risco de demência dado aos processos degenerativos centrais induzidos pela grande maior parte destas drogas. Muitos médicos associam ainda anticonvulsivantes à ritalina, com o que a toxicidade para o fígado e o pâncreas se multiplica, isto sem falar de lesões graves de pele que podem surgir decorrentes da interação de várias drogas. Quando há antipsicóticos na prescrição, então, mais facilmente as crianças se tornam primeiramente obesas para, em seguida, serem candidatas à diabetes. O uso destes últimos pode, inclusive, causar já nas primeiras doses a chamada ‘acatisia’, que se caracteriza por uma insuportável crise de agitação e inquietude. Frente a isso, é comum que médicos mal precavidos, em vez de retirarem a droga, julgando que ‘a criança agora piorou’, não só aumentam a dose do antipsicótico como ainda acrescentam ansiolíticos à prescrição. Já não bastasse essa miscelânea de prescrições, vale lembrar que o uso prolongado de antipsicóticos pode levar também a quadros intratáveis de coreia, por impregnação e lesão de certos centros nervosos. E frise-se que estou listando aqui apenas alguns dos incontáveis riscos implícitos, atrelados ao uso de psicotrópicos.

Esta imagem e a anterior: dois ‘frames’ do filme “Another Brick in the Wall”, por Pink Floyd

8. Que conselhos você daria aos pais que: a) têm filhos inquietos, com baixo rendimento escolar, mas não têm certeza de tratar-se de TDAH?; b) aos pais que têm filhos efetivamente diagnosticados com TDAH, mas hesitam em iniciar o tratamento medicamentoso?

Os conselhos estão todos dados ao longo da entrevista, quem leu e entendeu, cuide estar presente; educar é uma bênção no caminho de pais e filhos. Caso haja necessidade de pôr algum médico no meio disso, nem sempre será ele quem deverá ditar as regras, o bom senso vem primeiro; o mais simples costuma curar muito mais que os procedimentos complicados. Digo ainda que as causas de desvios de comportamento são eminentemente psicossociais, quase nunca se devem a distúrbios do cérebro. Quando o clima familiar é hostil ou há conflitos constantes entre os pais, é natural que os filhos sofram, afinal, é sobre eles que estouram os rojões. Em muitas famílias, os filhos nem espaço para conversar têm, é como se lhes faltasse o ar. E quando são levados ao médico porque andam incomodando, nem sequer são ouvidos suficientemente e com o devido respeito. Mais comum é que a consulta seja dada em benefício dos pais; para os ‘filhos problema’, só mesmo a ritalina e o aprisionamento por anos a fio a um tratamento cuja receita controlada obriga o paciente retornar mensalmente a fim de visitar seu médico. Diga-se ainda que quase nunca são os filhos que retornam ao consultório; ora, pra quê? Quem retorna são os pais à caça da famigerada receita, também a fim de pagar o profissional e com isso aliviar seu sentimento de culpa dado à sua ausência da vida de seus filhos. E tão falso é o TDAH que, não nos esqueçamos, é doença tipicamente inventada para o bolso da classe média. Classes mais pobres, as estatísticas mostram, quase não apresentam este quadro; aliás, se viessem a contrair essa praga, como estorqui-las? Não, não teriam dinheiro suficiente para pagar bons médicos e comprar por anos a fio o metilfenidato, menos ainda o modafinil, que é até mais caro.

Sim, o diagnóstico cada vez mais crescente do TDAH é uma das principais provas de que nossa sociedade, imersa em sua crise de valores, anda a privilegiar o utilitário em detrimento do humano, o ruído em prejuízo da paz, a louca correria em lugar das coisas simples e naturais. Por isso sofre imensamente, e sofre por falta de vergonha. Está na hora de paramos de querer ganho rápido em todas as frentes; educação exige presença e é prática diária, cuidadosa, artesanal, assim como deveria ser o exercício da verdadeira medicina que, lembremos, é antes de tudo uma arte humana, muito mais que científica. O TDAH é o melhor exemplo desta inversão de valores, o retrato de uma civilização caduca.

Infelizmente, estamos vendo o mundo pender para a beira do abismo, e os psiquiatras adestrados pelos DSM(s) da APA têm colaborado imensamente para isso. Nossa verdadeira salvação passa bem longe dos psicotrópicos; clama por afeto antes de tudo. Sem amor não há cura, mas, lamentavelmente os psiquiatras não têm feito questão de tratar desse capítulo em seus desalmados manuais de diagnósticos. Triste estatística.

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(*) Dr. Paulo Urban é médico psiquiatra e criador de sua própria abordagem terapêutica, a Psicoterapia do Encantamento. Foi diretor clínico do hospital Psiquiátrico Casa de Saúde de São João de Deus, de 1994 a 2000; e também professor voluntário na Escola Mutirão de ensino infantil, fundamental e médio durante os anos de 2000 a 2003. Articulista da Revista Planeta de 2000 a 2006 e editor chefe da Revista Nova Consciência, 2007/2008.

(**) Sílvia Lakatos é jornalista e historiadora formada pela Universidade de São Paulo (USP). Tem quase 30 anos de profissão e já atuou em grandes empresas como Editora Globo e FIESP.  Contatos com ela podem ser feitos por meio do e-mail: silvialakatos@gmail.com

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Se você achou interessante esta matéria, leia também: “Como e Quando Medicar” ou “Entenda o Que NÃO Pensou o seu Psiquiatra”, de Paulo Urban

3 Comments

  1. Eduardo disse:

    Sensacional a entrevista! Parabéns, Paulo Urban. No vínculo familiar estão a doença e o remédio.

  2. Tatiane Bolik Bibow disse:

    Excelente reflexão!
    Encontrei em sua entrevista confirmações para minhas hipóteses. Sou Pedagoga e Psicopedagoga com olhar nada convencional e em busca de pessoas que olham de forma diferenciada para nossa sociedade e as dificuldades criadas ano após ano.
    Parabéns!

  3. Iranilda Chaves disse:

    Paulo Urban, permita-me falar;
    Amei o senhor por tudo o que disse nesta entrevista. Que maravilhoso é seu entendimento sobre o sofrimento humano, sobretudo, sobre nossas crianças supostamente “doentes”.
    Se em rede social fosse viável abraçar, eu o abraçaria fortemente neste momento.
    Gratidão por existir!!
    Gratidão pelo seu conhecimento e esclarecimento.
    Gratidão por não sucumbir às tendências da moda da medicina e da indústria farmacêutica.
    O mundo necessita de médicos como o senhor.
    Abraços cheios de encanto!!

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