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O Mistério do 12

O Arcano XII, ninguém se engane, é a morte. É justamente a vala em que a estrutura egoica se afunda e se esgota. É a estação do Tarô em que a mente, que tão-somente mente permanentemente e se debate, exausta de lutar contra si mesma, entrega-se a morrer a sua morte. Nada de novo nasce nasce aqui, esta é a casa em que cessam os argumentos, onde todos os processos se paralisam à mercê do Arcano do não movimento, que é a morte.

Aos que passaram pelo Espectro do Umbral e seu terrível Cérbero representado pelo Arcano anterior, tudo o que resta agora é atravessar o Hades, descer às suas profundezas e sofrer a experiência da Noite Negra da Alma. O Arcano XII inaugura a segunda metade dos Trunfos Maiores, é a primeira estação do Rito Noturno que ora se inicia.

Num primeiro momento, diante da sombria realidade do mundo inferior, nosso herói se vê perplexo, perdido em labirinto, pendente em seus dilemas. Nem seria pra menos, pois nesta estação é a dúvida que impera, muito mais profunda agora, a ressoar oitava acima o já dobrado Arcano VI.

Marselha arcano 12

O Enforcado não deixa de ser, nesse sentido, ‘a outra Encruzilhada’ do caminho, aquela que separa o tudo do nada, e que se faz oculta até que escorreguemos em seu metafísico buraco (sem fim, a propósito). Destarte, o Enforcado nos engole em seu vazio e nos atira às lodaçais águas do Estige, o rio dos mortos, cuja correnteza nos leva à outra margem da vida que, uma vez alcançada, jamais permite retorno. Tudo que podemos fazer agora é seguir adiante resolutos, vivendo a nossa morte, em meio à escuridão do Tártaro.

Por isso, o herói (você, eu, todos somos) aparece aqui inerte, nos laços de sua forca, de cabeça para baixo e cercado de terra e troncos por todos os lados. Basta olhar em volta, o Enforcado está preso dentro de limites retangulares formados por troncos e terra que nos remetem à crua imagem de uma cova, razão pela qual nada mais é permitido aqui, senão se entregar à morte inevitável, mesmo porque o Enforcado nos pede morrer infinitas vezes se preciso, a fim de que, vencido o ilusório jogo do mundo egoico, possa a alma verdadeiramente aprofundar-se em sua grande viagem iniciática.

O número 12 do Arcano expressa, pois, uma mandala concluída. Observe-se que nosso Enforcado, mãos às costas, acha-se dependurado entre dois troncos, e doze são os galhos podados em torno de si, seis de cada lado, a reforçar a ideia de que as doze casas da mandala ora vencida nada mais têm a oferecer. Também não podemos afirmar que suas mãos estejam amarradas (olhemos bem: nem seus pés estão atados), e suas pernas cruzadas mantêm similitude com aquelas do Imperador, mas se antes descreviam uma cruz na metade inferior do Arcano IV a servir de base e sustentação a novos empreendimentos, aqui, a cruz que se insinua na porção superior vem regrar com equilíbrio e perfeição este processo anímico que é morrer(-se) mandalicamente, por completo, em todos os quadrantes, necessariamente.

Mestre Pessoa, Grande Poeta dos Mistérios, assim descreveu sua ‘Iniciação’, poema que retrata o binômio morte/renascimento:

Por fim, da funda Caverna,
Os Deuses te despem mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
………………………………
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte,
Não ’stas morto, entre ciprestes.
………………………………
Neófito, não há morte!

Envolto entre ciprestes, o Enforcado entrega-se à sua sagrada morte e se percebe renascido. Descobre assim que em verdade não há morte. Cobrado a sacrificar-se, é levado a experimentar de todas as dores até as últimas conseqüências, experiência esta que o ensinará a libertar-se um dia delas todas. Pois, é na estação da morte que reside ainda a esperança de que, ao atravessá-la por completo, possamos um dia renascer na verdadeira luz do Espírito.

Se o Arcano XII,“O Enforcado”, apareceu hoje em sua vida, ele vos pede algum real sacrifício. Aconselha que tudo nos será sempre melhor quanto mais soubermos a hora de largar o osso. Afinal, é preciso morrer direito a fim de renascer para a nova vida que, a propósito, se faz próxima. Tão próxima que é justamente o tema do Arcano XIII, nossa próxima estação.

O Ajuste - óleo sobre tela do artista plástico Eduardo Vilela, Arcano XII de seu Tarô da Nova Consciência

O Ajuste – óleo sobre tela do artista plástico Eduardo Vilela, Arcano XII de seu Tarô da Nova Consciência

ARCANO XII 

A Legião do Crepúsculo me espera
e eu me reparto em doze no Enforcado;
entrego-me ao abraço de Hades dado
a todos que penetram Negra Esfera.

A terra é o ataúde bem fechado
e a morte é pleno inverno da quimera
no encontro além do ventre da cratera
ao qual todo caminho está fadado.

São doze os galhos que hoje estão podados
e crua é a corda deste sacrifício
entrelaçada em ramos de verde hera,

que o Reino dos Arcanos tem dois lados:
precisa-se morrer pleno em solstício
pra renascer bem vivo em primavera!

Paulo Urban
9 de maio MMV
decassílabos heroicos

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Nota: Em relação ao tema da Estação seguinte, leia também os sonetos Vidarcano XIII e Transvitação.

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