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Oroboro

O sagrado texto do Taoísmo Tao Te Ching, atribuído ao “Velho Sábio” Lao Tse (séc. VI a.C.) roga em seu primeiro aforismo que “o Tao do qual se pode falar, não é o Tao”. E explica-nos Lao Tse, “os nomes que lhe podem ser dados nunca são seu verdadeiro nome”.

O mesmo nos ensina o ancião Christiano Sotero em relação à Alquimia, pois, aquela da qual se pode falar, nunca é a verdadeira Alquimia. O mesmo princípio se aplica a outras Tradições espirituais autênticas, como o são a Cabala e o Yoga, por exemplo. O Tao também nos diz em seu quadragésimo segundo aforismo, considerando a interação entre Yin e Yang, energias opostas e ao mesmo tempo complementares entre si, que ‘o Um gera o dois, o dois gera o três, e o três se reparte em dez mil coisas’.

“Dez mil coisas essas que são UM”, completou Christiano Sotero, meu mestre sonetista, comparando nossa efêmera condição humana à temporaneidade das eras, dos dias e das horas que passam por nós e nos entretêm com suas mais incríveis maravilhas, quer para o deslumbramento da alma, quer para o enfeitiçamento do ego. Christiano apontou ainda a similitude do aforismo chinês com a sempiterna mudança de Heráclito de Éfeso, por sua vez, um analógico da Samsara dos hindus: “Samsara é Nirvana; Nirvana é Samsara”, eis a grande máxima do Tantrismo, lembrou-nos, a sugerir a existência de uma realidade transcendente a ser descoberta na lide e nos dias, no mais simples cotidiano dos prazeres sensórios. “Em seu estado mais ordinário, todo prazer não passa de um substituto da iluminação”, dizia-me; “mas se já é difícil traduzir um simples prazer, do êxtase anímico resta impossível falar algo, tudo que falarmos dele jamais será o êxtase propriamente”.

E Christiano voltava assim ao ponto de partíramos em nossa tertúlia, fechando mais um ciclo sobre si mesmo, tal qual serpente que morde a própria cauda, que se devora conquanto se vomita, que se consome entrementes se transforma, a realizar o mistério de seu singularíssimo Oroboro. Espelhando-me em suas águas cristalinalquímicas, inspirando pela contemplativa leitura de seus tratados manuscritos de alquimia, chamado a escrever algo do gênero, compus a peça aqui transcrita, certa feita musicada pelo amigo poeta Diovani Mendonça, que deu a ela um serpentino colorido de cordas.

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  OROBORO

Descalço piso em mármore carrara,
despido bato à porta em teu umbral;
no alforje trago o azoto, trago o sal,
também o pergaminho que separa

o quadrado do círculo do Graal.
Dou-te a senha; penetro em tua clara
Catedral. Tomo a espada, empunho a vara,
exponho-te o mercúrio selenal.

Lágrima-orvalho é prisma desta aurora,
acende em nossas almas luz que chora;
deitemo-nos no altar do sacro ofício,

desçamos ao mais fundo precipício,
subamos juntos presos desde o início:
a Roda de Samsara nos namora !

Paulo Urban, Sonetista do Aquarismo

Obs: Para saber mais sobre o Oroboro, incluindo nossa leitura etimológica deste termo alquímico, leia também: O Simbolismo da Serpente, subamos juntos presos desde o início:

2 Comments

  1. christiana disse:

    Bonita reunião de conceitos iniciáticos. Vou linkar a um poema no meu blog, se me permitir. Agradecida.

  2. Cecília disse:

    Adorei…

    Como vc apresenta as formas mais complicadas, de uma maneira tão simples!

    Cecilia C. B.

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