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Entrevista sobre Hipnose

Hipnose como tratamento de saúde, uma possibilidade terapêutica
Adilson Rielo entrevista Paulo Urban – 2002

Saraiva.com.br  conversou com exclusividade com o médico Paulo Urban sobre os poderes da hipnose e seus benefícios. Paulo Urban é médico psiquiatra, hipnoterapeuta e Psicoterapeuta do Encantamento.

Aos 29 anos tornou-se o mais jovem Diretor Clínico de hospitais do Brasil assumindo a direção do Hospital Psiquiátrico “Casa de Saúde de São João de Deus”, da Ordem Hospitaleira de mesmo nome, casa esta em que trabalhou por 13 anos e dirigiu por seis.

Atualmente atende seus pacientes segundo uma abordagem terapêutica própria, a Psicoterapia do Encantamento, que privilegia a plena realização das capacidades latentes que habitam nossa Mitologia Pessoal, explorando-a mediante sessões regulares de psicoterapia que, por sua vez, são dinamizadas por vivências experimentais, a incluir sessões de hiperventilação (uma disciplina respiratória) e ritos de passagem de caráter iniciático propiciadores de uma profunda reformulação psico-emocional. 

Paulo Urban é também autor de vários livros e articulista da Revista Planeta, para a qual escreve mensalmente matérias sobre psiquismo, mitologia, alquimia, ocultismo, religiões, sonhos, simbolismo,  filosofia, antropologia, arte, literatura entre outros assuntos. 

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Saraiva.com.br – O que é a hipnose?

Paulo Urban – Hipnose é um estado alterado de consciência particular, induzido por técnicas de sugestão e que, uma vez alcançado, permite ao hipnotizador influir – também por meio de sugestões – sobre as condições psíquicas, somáticas e viscerais do hipnotizado. Difere do sono comum por várias razões: o indivíduo que dorme reage ou acorda somente a partir de estímulos mais fortes, o hipnotizado pode reagir facilmente a estímulos débeis ou a comandos verbais simples; há ainda um dinamismo sensorial e de intelecto que se mantém presente no transe hipnótico, o mesmo que permite ao hipnotizador atuar na relação criada com seu paciente, ao passo que nos indivíduos que simplesmente estão dormindo isto não ocorre. Ademais, como observam vários autores, na hipnose não se observa alteração dos reflexos neurológicos que no sono se acham diminuídos. Também o eletroencefalograma do indivíduo hipnotizado costuma ter também traçados característicos, distintos do traçado comum do sono.

Saraiva.com.br – Na sua opinião há muita desinformação quanto a hipnose? Por quê?

Paulo UrbanHipnotismo5.0.3Exatamente! Há ainda muita desinformação em relação a hipnose. Grande parte da classe médica, incluindo psiquiatras e neurologistas, também muitos psicólogos e psicanalistas, chegam ao século XXI com sérias dificuldades para compreender tal fenômeno psíquico. Muitos ainda tomam a hipnose por algo mágico, ou a confundem com mero exercício de relaxamento. Por outro lado, ainda vemos charlatães exibindo-se nas tevês, expondo pessoas incautas a situações ridículas, facilmente alcançadas por meio da sugestão hipnótica. Agindo assim, contribuem para o imerecido preconceito acadêmico em relação a esta técnica. Ainda há aqueles que se valem dessa técnica para tentar provar a tese da reencarnação ou mesmo as tais ‘abduções por discos voadores’ – e decididamente a hipnose não se presta para provar nada disso -, o que faz, ainda mais, misturar a hipnose com crenças pessoais e fés religiosas.

Saraiva.com.br – Existe mesmo um preconceito com relação a hipnose? O que deveria ser feito para acabar com isso?

Paulo Urban – Ainda existe. A maior parte desse preconceito, entretanto, cuja força quase extinguiu a prática da hipnose da clínica médica ao longo do século XX – é bom que deixemos isso bem claro -, veio da Psicanálise, mais specificamente de seu criador, o Dr. Sigmund Freud (1856-1939) que, a propósito, era pessoa dotada de enormes preconceitos em relação a muitas outras coisas também, principalmente aquelas que de algum modo pudessem competir com sua doutrina ou ameaçá-la. (Leia comentário/explicação de Dr. Paulo Urban ao final da entrevista)

James Braid

James Braid

Saraiva.com.br – Quando a hipnose começou a ser usada cientificamente?

 Paulo Urban – Precisamente em 1843. James Braid (1795-1860), cirurgião oftalmologista de Manchester, Inglaterra, dotado de espírito crítico, dois anos antes viu-se intrigado diante das exibições de Lafontaine, um mesmerizador francês que fazia turnê em seu país. Braid concluiu que as pessoas podiam cair “num estado particular do sistema nervoso determinado por manobras artificiais” desde que ocorresse fadiga cerebral e cansaço visual, o que se conseguia por meio de repetições de palavras e gestos sugestivos. Os passes, segundo ele, não eram dotados de poder magnético algum, mas predispunham os pacientes a um estado psicofísico alterado. Braid cunhou o termo hipnotismo em sua obra “Neurohipnologia”, de 1843, e colaborou para o desenvolvimento da técnica hipnótica, desde então também chamada de braidismo.

Saraiva.com.br – Quais foram as principais mudanças no decorrer de todos esses anos?

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Paulo Urban – Devido ao intimidante saber/poder psicanalítico, a hipnose quase nada evoluiu no século passado. Como Freud a abandonou, muitos acadêmicos viram nesse gesto o pressuposto de que a hipnose pouco seria proveitosa para a clínica. Somente nos fins do século XX ela começou a resgatar seu prestígio e a recuperar seu credenciamento terapêutico. Em nossos dias, quando a psicanálise enfrenta enorme concorrência e já se mostra um tanto ultrapassada em seu modelo de compreensão do psiquismo – analogamente ela traz em sua pretensão a mesma precisão de uma mecânica clássica – de Newton – tentando compreender o universo quântico que ora se revela paradoxal, momento esse em que novas abordagens psicoterápicas podem oferecer novas propostas às questões profundas do psiquismo, a hipnoterapia e outras técnicas novas ou antes depreciadas voltam a encontrar espaço. Em 1998, por exemplo, na Universidade de Harvard, Estados Unidos, pacientes sob hipnose receberam a sugestão de que enxergavam cores numa figura em preto e branco. Avaliados pela tomografia por emissão de pósitrons, um exame capaz de mapear áreas cerebrais, comprovou-se que a região relacionada à visão das cores era especificamente ativada. Mais uma prova de que o estado hipnótico diferencia-se do sono simplesmente. Também é largamente reconhecido o uso da hipnose para alívio de dores, como anestésico para procedimentos dentários, como agente aliviador de estresse, regulador da pressão arterial e outras funções orgânicas, como instrumento de apoio no pré-natal e parto, etc. Mas entendo que esteja na psicoimunologia seu futuro promissor, podendo a hipnose tanto retardar a evolução de doenças auto-imunes como melhorar o padrão imunológico de pacientes cancerosos e imunodeprimidos. A verdade é que ainda estamos longe de aproveitar a hipnose em sua plena capacidade, mas as psicoterapias, modo geral, têm muito a enriquecer com sua prática.

Saraiva.com.br – Assistir às sessões de hipnose pela televisão não lhe parece mais um quadro de mágica? Isso não expõe as pessoas a uma situação desagradável? Qual a sua opinião?

Paulo Urban – Nada há de mais anti-ético neste particular que expor pacientes e pessoas – vítimas seria a melhor palavra aqui – incautas ao ridículo, em programas de palco ou de televisão, sob o pretexto de divulgar a técnica da hipnose. Os que assim o fazem, agem exclusivamente por interesses financeiros e vaidades pessoais, e nada acrescentam à técnica ou à vida daqueles que lhes servem de cobaias, o português aqui deve ser claro. Infelizmente, encontramos vez por outra hipnotizadores bem treinados que se prestam a isso, o que não significa, entretanto, que sejam minimamente éticos em suas apresentações, cujo caráter é circense e não clínico.

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 Saraiva.com.br – Quais são os cuidados que uma pessoa deve ter ao procurar um tratamento através da hipnose?

Paulo Urban – O primeiro e mais importante é escolher um bom profissional em quem o paciente possa depositar confiança. E antes de submeter-se ao tratamento, conversar com o terapeuta escolhido e sanar as dúvidas necessárias, como por exemplo, se há indicação de hipnose para seu caso.

Saraiva.com.br – Qualquer pessoa pode ser hipnotizada?

Paulo Urban – Desde que possa concentrar-se nas palavras do hipnotizador, sim. Torna-se, por conta disso, mais difícil fazê-lo com crianças, principalmente as hiperativas, pacientes oligofrênicos – deficientes mentais-, psicóticos em surto ou mesmo fora deles, quando não são capazes de se concentrar etc. Há também enorme dificuldade em hipnotizar deficientes auditivos, embora haja técnicas para isso, e é impossível fazê-lo com demenciados. Nesse último caso, de qualquer modo, a hipnose nem teria aplicação terapêutica.

Cena de hipnose no filme The Search for Bridey Murphy, 1956.

Cena de hipnose no filme The Search for Bridey Murphy, 1956.

Saraiva.com.br – Você poderia descrever um caso curioso, onde o resultado da hipnose tenha sido surpreendente?

Paulo Urban – Lembro-me de um paciente jovem, do sexo masculino, que sofria de um quadro esquizotípico. O rapaz sentia seus pensamentos serem-lhe bloqueados, até mesmo aniquilados, o que lhe gerava a sensação de anergia e psicastenia, ou seja, o paciente não se sentia disposto para pensar, não conseguia mais estudar, acreditava-se possuído por forças que o dominavam e, diante de qualquer atividade que exigisse algum raciocínio, imaginava-se incapaz; por conta de sua patologia havia deixado os estudos universitários e evitava o contato social, acreditando-se sem condições sequer para manter conversações e amizades por falta de inteligência. Mediante sessões hipnóticas regulares, o paciente, estimulado a escolher lugares onde desejaria estar, passou a descrever cenas de um rio quase morto cuja correnteza estava obstruída por enormes pedras. Por meio da hipnose, o paciente foi levado a entrar nesse rio e servir-se de alavancas com as quais moveu todos os obstáculos que detinham o curso das águas. Para a surpresa de si próprio e de seus pais, que já o viam sem condições sequer de prosseguir em seus estudos, concomitantemente a esse processo de imaginação ativa facilitada pela hipnose, o paciente voltou às suas atividades normais, retomando inclusive seus estudos. Mas é importante que deixemos claro: a hipnose muitas vezes não nos leva a resultados surpreendentes; ela é apenas uma possibilidade terapêutica que, mesmo bem administrada, pode melhorar uma série de casos e não chegar a lugar algum em outros tantos, igualzinho à psicanálise e a qualquer outro tipo de terapia.

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Para entender o caso desde seu início
Por Paulo Urban

Lições das Terças-feiras, ministradas por Charcot em Salpêtrére

Lições das Terças-feiras, ministradas por Charcot em Salpêtriére

Desde 1870, o médico parisiense Jean Martin Charcot (1825-1893), chefe do Hospital Escola de Salpêtriére, tornara-se famoso por seus estudos experimentais sobre a histeria. A administração de Salpêtriére decidira separar os doentes alienados das mulheres histéricas e dos epilépticos, juntando essas duas últimas patologias numa mesma enfermaria. Rapidamente as histéricas assimilaram os sintomas epilépticos em suas crises e aprenderam a simulá-las plasticamente. Charcot valia-se da hipnose para diferenciação diagnóstica, capaz que era de fabricar sintomas extraordinários nas histéricas submetidas à sugestão hipnótica, de modo a provar o caráter neurótico dessa doença.

Em 1884, os médicos franceses Liébault e Bernheim fundam juntos a Escola de Nancy, que imediatamente faria oposição à Escola de Salpêtriére. A histeria e a hipnose foram razão da disputa entre Nancy e Salpêtriére, que se estendeu por dez anos. Bernheim dizia ser a hipnose decorrente da sugestão verbal, e que tal técnica já estava desmistificada, desvinculada do simples mesmerismo, desde fins de século XIX, quando a clínica da palavra sobrepujava a do olhar. Acusava Charcot de fazer mal uso da hipnose, já que dela se servia não para fins terapêuticos, senão para provocar crises convulsivas em suas pacientes, manipulando-as de modo a conferir um status de neurose à histeria. O médico de Nancy afirmava ainda que os efeitos alcançados pelo hipnotismo poderiam advir por simples sugestão dada em estado de vigília, estando aí o prenúncio do que mais tarde veio a se chamar de psicoterapia.

Liebaut (em pé, à esq.) em sua clínica, acompanhado de um assistente (em  pé) e alguns de seus pacientes

Liébault (em pé, à esq.) em sua escola-clínica, em Nancy, acompanhado de um assistente (em pé) e alguns de seus pacientes

Enquanto ocorria a disputa entre essas Escolas, Freud interessava-se pela hipnose: chegou a ser aluno de Charcot de outubro de 1885 a fevereiro de 1886. Tanto se impressionou com as demonstrações de hipnotismo nas aulas em Salpêtriére, que traduziu para o alemão o primeiro volume das “Lições de Terças-Feiras”, escrito por Charcot. Foi também influenciado por Liébault e Bernheim, e traduziu também um livro deste último, tendo igualmente freqüentado os bancos escolares de hipnose em Nancy durante o verão de 1889, pouco antes de ir a Paris assistir a dois congressos internacionais sobre hipnotismo.

Sigmund Freud

Sigmund Freud

Mas o vivo interesse de Freud pelo hipnotismo, a partir daí, gradativamente decresceria. Quais as razões para isso? Ora, elas estão bem distantes do mito comum que faz de Freud um incompetente para aprender a hipnose. Aluno interessado que fora de Charcot e Bernhein, e freqüentando congressos sobre hipnotismo como fazia, é improvável que Freud não soubesse valer-se dessa técnica. Claro que Freud conhecia, muito bem por sinal, a hipnose. Abandonou-a, portanto, por outros motivos que não sua incompetência nessa área. Quais seriam eles? Compreendamos a questão: curiosamente, em sua autobiografia de 1925, ao relatar as visitas que fizera à Escola de Nancy, Freud se vale de um argumento estúpido ao dizer que a hipnose só se presta ao ambiente hospitalar, sendo inadequada à clientela particular. E ele completa sua explicação: “Abandonei, portanto, a hipnose e só conservei dela a posição deitada do paciente sobre um divã, atrás do qual eu me sentava, de modo que eu o via, sem ser visto por ele”. Ora, o que salta à vista aqui não é sua incapacidade para a prática hipnótica, mas sim sua imaturidade, própria dos que se iniciam na arte da psicoterapia, diante da questão da contra-transferência – sentimentos despertados no inconsciente do analista e projetados sobre o paciente -, que Freud preferiu manejar por “detrás do biombo”. Daí propor aos psicanalistas que se comportem feito espelhos, assumindo atitude completamente passiva em sua escuta.

Ainda que os psicanalistas disso se esqueçam, houve época na história em que Freud foi também iniciante, quando ele preferiu lidar com esse fenômeno clínico da transferência instituindo o “divã”, que só mesmo os psicanalistas fazem questão de manejar tão bem. Freud desmerece, portanto, demagogicamente, a hipnose, já que as razões de ele tê-la preterido são bem outras que não as apontadas em seu discurso. A principal delas, cumpre-se dizer com justiça, é que para a prática psicanalítica a hipnose não é mesmo necessária. Podemos dizer que Freud criou a psicanálise privilegiando a catarse em detrimento da hipnose, e o fez com razão nesse ponto, sem sequer valer-se da sugestão; afinal, o discurso do paciente vigil é seu suficiente material de trabalho para acessar as portas do inconsciente.

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Isto, porém, sejamos claros, não destitui a hipnose de seu próprio valor terapêutico, nem podemos aceitar o argumento de Freud quando defende que a hipnose não se preste aos consultórios. Isso é ridículo! Mas levemos em conta uma atenuante para este seu disparate: as idéias de Freud sofreram durante décadas forte resistência por parte do saber acadêmico vitoriano, que as criticava sem querer compreendê-las, e associar a psicanálise a uma hipnose ainda estigmatizada pela aura de superstição e misticismo em que nascera, seria decretar o fim precoce da nova teoria. E digo mais: há outro equívoco de Freud, bem maior que o primeiro – repetido pelas gerações de psicanalistas cujo maior prodígio é reproduzir à risca até os defeitos de seu mestre -, ao acreditar que a hipnose servisse apenas para dar sugestões fáceis aos pacientes, de modo a levá-los por um caminho temporário e fictício de cura. Façamos ainda um adendo quanto à resistência de Freud em relação a hipnose. Entendo que o mestre falasse sobre a hipnose com desdém justamente por saber residir nesta técnica um grande potencial para a cura e tratamento, de modo que ao desconsiderá-la, visava assim limpar a área para deixar passar somente o carro da psicanálise. Chamemos o próprio discurso freudeano par sustentar essa tese; afinal, ninguém melhor do que os psicanalistas para saber o quanto as resistências se cristalizam sobre as fraquezas e receios que, por temermos, preferimos esconder.

Hoje, havendo passado o furacão da psicanálise sobre a hipnose, ela resta incólume como excelente via de acesso ao inconsciente e, sempre que trilhada por profissionais competentes, estabelece importante relações entre sintomas somático-viscerais e nosso psiquismo mais profundo.

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