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O Carteiro da Poesia – Diovani Mendonça

O CARTEIRO DA POESIA

(Resenha literária por Paulo Urban)

Casa Caipira erguida em Ninho das Pedras pelo poeta Diovani Mendonça, também autor da foto

Faz um tempinho, quase uns 30 anos, as cartas via correio eram de longe o melhor meio de se enviar palavras e sentimentos de uma pessoa a outra. Os correios eram os grandes protagonistas em unir cidades, países, continentes… eu mesmo, que desde a adolescência fiz-me entregue de grafite e alma a essa mania epistolar, bem sei dar testemunho do quão nostálgica é a imagem de um carteiro batendo à nossa porta, de como era romântico este momento em que, carta em mão, uma vez lido o nome do remetente, fazia-se indescritível o prazer de rasgar-se o envelope para descobrir quais seriam as novidades, as notícias dos amigos, as recomendação dos familiares, as declarações da pessoa amada. Por isso, digo, esse hábito de enviar e receber cartas é experiência eminentemente afetiva, é fazer-se presente àquele coração que geograficamente se põe longe do abraço pretendido, mas não imune a ser atingido pela certeira flecha da palavra.

Por essas e por outras é que mexeu comigo e fez sacudir boas lembranças essa prazerosa leitura de “O Carteiro da Poesia”, de autoria de Diovani Mendonça, editado pela Rede Catitu Cultural, 2017. O carteiro é ele mesmo, o poeta em pessoa que à revelia dos tempos modernos em que vivemos, tão estranhamente modernos que os ponteiros de nossos relógios atropelam o próprio tempo, insiste em levar poemas na bolsa para depositá-las feito cartas fossem no coração de seus leitores, não importe o cep e o logradouro, nem quão longe ou ilhado possa estar o endereçado ser humano, seu leitor.

Diovani faz-se assim tanto o remetente quanto o carteiro, e é ainda a própria missiva em pessoa que, sob a forma de livro, vem bater à nossa porta trazendo mensagens em versos livres, tão livres que nos convidam a voar com eles nas asas de uma poesia simples e libertária, que muito lembra a sensibilidade um Manoel de Barros temperado pela sabedoria de uma Cora Coralina, ou vice-versa.

O autor assim se apresenta em poema homônimo do livro: “Torço para que meu verso chegue sempre terno ao endereço certo onde mora o afeto de cada leitor, que tem o intelecto apenas como via para ler-sentir e levar com ele no coração a poesia que é fragrância de todas as línguas”; até porque, em Lunático (como ele só), nos conta que “bêbado de certezas apaguei muitos sóis para ver a lua trazer de volta minha lucidez”; razão pela qual o artista plástico Guido Boletti, que ilustra a obra, faz dele um Diô Quixote de las Cartas, mineiro da alegre figura, carteiríssimo e certeiríssimo em sua insana missão de distribuir missivas lúcidas de poesia por todos os lugares por onde passa. Assim nos brada do alto de sua montaria esse Cavaleiro de Esmeraldas, lança em punho a enfrentar esses gigantes que são todo tipo de mazelas sombrias decorrentes dos corações que tendem a perder as esperanças: “se existem uns que desconfiam da própria sombra sempre haverá os que não perdem a mania de encontrar poesia e luz em mínimas frestas”; para então, em sua quixotesca piração literária brincar consigo mesmo ao refletir, ares matutos: “sou apenas um vírus estudando as linhas de programação do sistema para no mínimo insPIRÁ-LO”. E noutra paradinha que seu cavalo dá mais ali, a módi entregar mais alguma carta-poema a algum felizardo leitor, em sua decantada loucura, tenta explicar-se o carteiro: “sou mesmo dado a delírios, porque onde veem espinhos envergo outros caminhos e voo pra encontrar lírios”. Porque … “Comigo tá tudo zen e é desse jeito, amigo, que voo além…”, para completar logo em seguida: “nem poeta nem profeta, sou o que paira entre esses dois mundos fundos”.

Pois é mesmo! Até porque … “A vida é firme, não dá pra viver à espera do fim de semana” … salto aqui uns versos e leio estrofe abaixo … “Porque o milagre que rola bacana e emociona de fato é o instante agora”. E fluindo solto, ora a galope compassado, ora trotando versos, filosofa Diô Quixote lá do alto das montanhas das Gerais, de onde a vista alcança tudo aquilo que a beleza soe mostrar: Sim, “A vida escorre entre os medos”, mas “Viver é inspirar do vento partículas de oxigênio e expirar de dentro o desejo a ser posto a cada instante em movimento”…

E é tão autêntico e espontâneo nosso Diô Quixote das Letras que não há leitor que tendo lido uma só de suas cartas, por mais enrijecido que esteja o coração, não se deixe aliviar pela simpática figura deste poeta cavaleiro, ao passo que outros tantos leitores como eu, já rendidos à loucura lúcida de seus versos, se lhe fariam fieis companheiros Sancho Panças em suas aventurosas andanças por todas as estradas e lugares do mundo aonde cheguem seus poemas-cartas. Um dos maiores talentos de Diovani, ele bem sabe e reconhece, é sua generosidade que, genuína, clama: “O Dom é movermos pedras por pessoas que por nós sequer movem uma pena”. Explico, ou busco explicar: é que a raiz dessa sandice diovânica, presumo e sinto, está cravada fundo em seu Ziar (escondida ‘raiz’ de trás pra frente), poema mágico com poder de criação. Eis aí a primeva intenção desse poeta que sempre acreditou na humanidade e sabe que plantar poemas é difundir essa esperança de ver os frutos de todas árvores se abraçando e florescendo, razão pela qual, crente de tudo, com fé nas promessas de vida, ele se pergunta: “queria saber onde germina alastra a raiz da vida que não rompe da semente à casca… isso pode valer-me migalhas de nadas, mas não perco o vício de engravidar possibilidades”.

DiôQuixote por Guido Boletti

O livro conta ainda com um belíssima apresentação assinada pelo crítico literário Marcos Fabrício Lopes da Silva que, arguto, captou e muito bem traduziu toda a alma dessa aventura poética diovânica. Já as ilustrações de Guido, outro Dom Guidoxote das artes, são também poemas coloridos cujos versos são suas bem traçadas linhas de pintura original. Tudo isso combinando com o imprevisível dos poemas de “O Carteiro da Poesia”, mais um rebento saboroso da série ‘Árvore de Poemas’, projeto literário de Diovani que, livro a livro, poema a poema e carta a carta vai germinando e se alastrando cada vez mais forte na realidade desse nosso cotidiano, tão carente da leveza e das verdades que só mesmo um carteiro da poesia pode nos trazer, para que não nos esqueçamos jamais do que realmente importa na caminhada da vida.

Neste sentido, citemos aqui a concluir breve resenha, seu poema Shakinspirado que, embora não conste de seu livro, por algumas vezes pude ouvir da boca do poeta, a constatar de onde surgem os tantos equívocos das almas que se esquecem de sonhar: “Ser e não ter, ter e não ser, eis a confusão”. Afinal, como diria o bardo inglês: “Somos feitos do mesmo estofo que os sonhos são”. Sonhemos, pois, abertos à leitura de todas as cartas que falem da vida. Abençoado carteiro, muito obrigado por nos fazer sentir, por nos fazer lembrar o que de fato importa!

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Para conhecer melhor Diovani Mendonça, criador do premiado projeto Cultural Pão e Poesia, leia também nosso outro texto escrito sobre o poeta: “Árvore dos Poemas – nova florescência entre as pedras e as estrelas”. 

Para encomendar seu exemplar de “O Carteiro da Poesia”, basta escrever ao autor pelo e-mal: drdiovani@gmail.com

ou entrar em contato por mensagem com Diovani Mendonça pelo facebook no endereço: https://www.facebook.com/Diovanimen  

3 Comments

  1. Marineide Oliveira disse:

    Maravilha inteira! Amo a simplicidade e a alma exposta de DiÔ, filhote escolhido e acolhido desde o primeiro abraço via facebook. Ler o escrito acima me enche de alegria, afeto e mais ternura. Menino que encanta e nos emociona, menino que nos leva em suas asas de volta a um tempo de delicadeza e uma dose infinita de humanidade. Amei o texto inteiro.
    Abraçãos de milhões de voltas para todos vocês.

  2. Tive eu, nesse meu caminhar pelas artes, o grande privilégio de cruzar meus passos com esse grande poeta, ainda no início de seus escritos musicados, que tive a honra de gravar e compartilhar com o meu mundo artístico. Muito tempo depois, convidei-o a escrever o prefácio do meu primeiro livro e, para tanto, fui conhecer aquela casinha e o recanto que inspira a maioria dos versos do meu querido Diô. Alegria imensa em conhecer esse grande poeta.

  3. monique colombot disse:

    adorei tanto esse livro pela simplicidade dele, que eu traduzi quase todo o livro em francês; esse carteiro da poesia chegou até mim, demorou mas valeu, e me segue onde eu vou. Obrigada por esses versos lindos, Dio… amigo da alma

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